RESUMO: Diante da importância da energia elétrica para a manutenção da vida e para o bom andamento da sociedade faz-se mister a compreensão de que as ocorrências de furtos de energia se apresentam como problemáticas que necessitam ser combatidas. Este estudo teve como objetivo geral analisar o enquadramento legal dos furtos de energia elétrica detectados pelas distribuidoras no ato da fiscalização em imóveis. Através de uma pesquisa bibliográfica e documental foi possível compreender as especificidades comuns à energia elétrica, inclusive enquanto direito essencial que a mesma deveria ser entendida, bem como reconheceu-se os tipos de desvios de energia que podem acontecer e suas devidas tipificações legais nacionalmente reconhecidas. De igual forma identificou-se quais são as legislações que amparam medidas judiciais contra o desvio de energia, quais os procedimentos a serem adotados quando destas situações, e apresentou-se algumas jurisprudências que envolvem o tema, sendo observado que o crime de desvio de energia pode ser contemplado enquanto furto ou estelionato, sendo necessário que haja a devida especificação para a aplicação das penalidades previstas em lei.
PALAVRAS-CHAVE: Energia elétrica. Furto. Código Penal Brasileiro.
ABSTRACT: Given the importance of electricity for the maintenance of life and for the smooth running of society, it is necessary to understand that the occurrence of energy theft is a problem that needs to be tackled. This study aimed to analyze the legal framework of the theft of electricity detected by distributors in the act of inspection of properties. Through a bibliographical and documentary research, it was possible to understand the common specificities of electric energy, including as an essential right that it should be understood, as well as recognizing the types of energy deviations that can happen and their due legal typifications nationally recognized. Likewise, it was identified which are the laws that support legal measures against energy diversion, which procedures to be adopted in these situations, and presented some jurisprudence involving the subject, observing that the crime of energy diversion it can be contemplated as theft or embezzlement, it being necessary that there be proper specification for the application of the penalties provided for by law.
KEYWORDS: Electricity. Theft. Brazilian Penal Code.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O furto de energia elétrica. 2.1. Energia elétrica: conceitos e necessidades. 2.2. Energia elétrica como direito fundamental. 3. Furto de energia elétrica: conceitos e tipificação legal. 3.1. Conceito de desvio de energia elétrica. 3.2 Tipos de desvio de energia elétrica e seu enquadramento legal. 4. Jurisdição e legislação contra os desvios de energia elétrica. 5. Conclusão. 6. Referência.
A avaliação das bases legais sobre o furto de energia elétrica aponta invariavelmente pela análise de vários aspectos relacionados à temática como o reconhecimento conceitual do serviço de fornecimento deste tipo de energia, bem como a tipificação legal dos desvios da mesma e quais os direcionamentos em leis que determinam sobre o tema.
De acordo com o Relatório de Perdas de Energia Elétrica na Distribuição, elaborado pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, os furtos e desvios de energia elétrica, reconhecidos como perdas não técnicas representam cerca de 9,6% das perdas totais de energia das distribuidoras no ano de 2019. Ainda em consideração ao mesmo relatório, as perdas não técnicas são responsáveis por cerca de R$ 7,5 bilhões de prejuízos ao ano (ANEEL, 2020).
Neste sentido, este estudo tem como objetivo geral analisar o enquadramento legal dos furtos de energia elétrica detectados pelas distribuidoras no ato da fiscalização em imóveis. Para contemplar tal objetivo foram estabelecidos como objetivos específicos: a) apresentar conceitualmente o furto de energia elétrica; b) estudar os tipos de irregularidades no ato do furto de energia elétrica; c) compreender as jurisdições sobre o crime de furto de energia elétrica.
Esta pesquisa tem sua justificativa relacionada principalmente à elevada ocorrência de furtos de energia e a banalização notada por parte da sociedade quanto as questões morais e legais que envolvem o ato ilícito, o que é percebido em todas as instâncias inclusive do poder público. Destaca-se ainda que a realização deste estudo se mostra pertinente também em consideração aos problemas que o furto de energia elétrica pode causar, tanto em relação aos prejuízos para as distribuidoras de energia quanto para os consumidores que correm riscos como falta de abastecimento e acidentes.
A metodologia estipulada para esta a pesquisa foi fundamentada no método dedutivo, o qual se apresenta como o estudo partindo da parte geral para o particular, o que Provdanov e Freitas (2013, p. 27) elucida se tratar da “[...] por intermédio de uma cadeia de raciocínio em ordem descendente, de análise do geral para o particular, chega a uma conclusão”. Por aporte teórico metodológico foi apresentado o levantamento das legislações e jurisprudências existentes, apresentados por doutrinadores acerca da temática.
Assim, em consideração aos procedimentos e aos objetivos estipulados, a pesquisa foi realizada em bancos de dados científicos e jurídicos partindo do cruzamento das palavras-chaves “energia elétrica”, “furto”, “Código Penal Brasileiro”.
2.1 Energia elétrica: conceitos e necessidades
Anterior ao aprofundamento nas questões pertinentes ao furto de energia elétrica em si, é salutar a compreensão acerca das bases conceituais sobre a energia elétrica, sua evidência enquanto direito fundamental e os cernes reguladores da distribuição à sociedade.
Conceitualmente, a energia elétrica pode ser definida como aquela proveniente de uma corrente elétrica alimentada pela conversão de energia de vários combustíveis, como o petróleo, carvão mineral, biocombustíveis e força hidráulica, entre outros (PAMPLONA et al., 2020).
Segundo Battaglin e Barreto (2012), sob a perspectiva histórica, a eletricidade se origina da palavra electrum, de base no latim, com o significado de âmbar, o qual foi utilizado por Tales de Mileto no século VI a.C. através de um experimento de esfregação de pedaços de âmbar gerando assim atração entre as partes, o que originava os estudos sobre eletricidade.
Caldas, Lima e Crispino (2016) afirmam que é importante compreender que a eletricidade sempre esteve presente na humanidade, seja inicialmente pelo reconhecimento das correntes elétricas naturais ou pela indução do próprio homem, mas que os estudos e controle sobre a mesma se deram como mais avançados por volta de 1.600 com Otto von Guericke culminando na criação da primeira máquina eletroestática que se tem conhecimento.
Os estudos sobre o desenvolvimento de estratégias de uso da eletricidade passam por diversas contribuições, sendo a de Thomas Edson a mais significativa quando se trata deste estudo, uma vez que seus achados apontaram para o uso comercial e doméstico da eletricidade através da lâmpada incandescente. Tal descoberta, associada aos aprofundamentos no estudo da eletricidade em caráter doméstico passou a determinar a necessidade de geração de energia em larga escala, gerando assim a implementação de redes de energia que atendessem as demandas dos domicílios, comércios e prédios públicos em geral (FARIAS; SELLITTO, 2011).
No que tange ao uso doméstico de energia elétrica, Carvalho e Almeida (2019) elucidam se tratar do produto da rede elétrica que abastece as residências e comércio de forma a suprir as necessidades como iluminação, refrigeração, funcionamento de produtos elétricos, entre outros. Castro et al. (2014) complementam ao afirmar que dentre o uso doméstico de energia elétrica é possível citar nas residências o uso da mesma para iluminação, aquecimento, refrigeração, utilidades domésticas, aparelhos eletroeletrônicos, entre outros.
Assim, o fornecimento de energia elétrica atualmente, considerando o modo de vida da sociedade, pode se reconhecido como um serviço imprescindível uma vez que, para muito além de proporcionar conforto aos cidadãos, a energia elétrica serve de fonte energética para o funcionamento de itens que asseguram a sobrevivência, como a conservação de alimentos, ou ainda o funcionamento de equipamentos de saúde, por exemplo (NETA et al., 2017).
Ainda nessa seara, Doroche e Anschau (2015) esclarecem que a importância da energia elétrica na sociedade em razão da sobrevivência da mesma quando se trata de um modo de adaptação ao meio ambiente, bem como tem funções claramente econômicas, pois é através da mesma que muitos equipamentos de trabalham funcionam, impulsionando assim a economia local.
Nos dias atuais o Brasil se destaca pelo cenário de consumo de energia elétrica:
Brasil possui em torno de 80 milhões de unidades consumidoras (UC) (com funções de medição específicas e correspondentes a pontos individuais de entrega de energia ao consumidor). A maior parte dos usuários de eletricidade (85%) é residencial, embora esta indústria seja responsável por apenas 35% do consumo de eletricidade do país. A rede de transmissão e distribuição do Brasil acompanha a trajetória histórica de urbanização e industrialização. Os grandes centros urbanos e áreas industriais do país são os maiores usuários de eletricidade. Nesse contexto, a infraestrutura da rede de transmissão e distribuição tem como alvo direto esses espaços (SOUZA, 2011, p. 20)
A necessidade da energia elétrica para a sociedade como um todo nos dias de hoje se mostra uma importante linha de discussão principalmente no que concerne a relevância da mesma para a manutenção da vida e por sua contribuição para a economia, o que demanda a importância de entender o acesso a energia elétrica enquanto direito fundamental.
2.2 Energia elétrica como direito fundamental
Quando se trata da importância da energia elétrica para a vida humana e em sociedade um ponto crucial é a compreensão da mesma enquanto direito fundamental, o que já é preconizado em diversas legislações nacionais.
Com o intuito de garantir a dignidade humana, a Proposta de Emenda Constitucional 44 de 2017 (BRASIL, 2017) buscou assegurar o acesso a energia elétrica como um direito social, ou seja, sendo adicionado ao sexto artigo da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Ainda em tramitação, esta PEC compreende que ao instituir tal acesso como um direito social, a distribuição de energia elétrica passa a ser uma obrigação do poder público, a exemplo da educação, saúde e segurança, as quais são primordiais a dignidade humana.
Atualmente o fornecimento de energia elétrica se dá pela distribuição através de concessionárias diretamente ligadas as instâncias públicas, o que demanda a compreensão de relação com o serviço público (FELIX; SILVA; FARIA, 2020). De acordo com Calasans Junior (2017) ao não atender determinados serviços de forma adequada, o poder público passa a conferir a gestão destes serviços à iniciativa privada.
Assim sendo, o serviço essencial de fornecimento de energia passa a ser compreendido como aquele defendido no Código de Defesa do Consumidor, conforme
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos (BRASIL,1990).
Dentre as diversas questões que permeiam o acesso a energia elétrica enquanto direito social, é salutar a compreensão acerca da essencialidade do mesmo e o reconhecimento da ilegalidade da interrupção deste serviço, seja por qual motivo se apresente, como a inadimplência por exemplo (LOPES; LIMA, 2018).
Correa (2017) elucida que enquanto direito essencial, o acesso a energia elétrica não pode ser suspenso em decorrência através de corte, o que determina-se uma fonte de discussão, uma vez que a Lei da Greve Brasileira (BRASIL, 1998) dispõe que:
Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
[...]
Ainda que a distribuição de energia elétrica seja considerado um serviço essencial é salutar a discussão sobre como se constituem os casos de interrupção do mesmo. Correa (2017) esclarece que quando se trata da interrupção de tal serviço, as empresas distribuidoras devem ser acionadas e responsabilizadas por estas ocorrências, com exceção dos casos em que as justificativas se baseiem na manutenção da rede, conforme o verso da Lei nº 8.987 (BRASIL, 1995):
Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:
I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,
II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade."
Nota-se que o inciso II esclarece outra forma de suspensão do serviço de abastecimento de energia, em conformidade com a inadimplência do consumidor, o que tem se mostrado assunto pertinente a uma série de processos judiciais.
Alguns acórdãos acerca do tema já deram como ilegal o corte neste fornecimento, conforme:
EMENTA
Corte no fornecimento de água. Inadimplência do consumidor. Ilegalidade. 1. É ilegal a interrupção no fornecimento de energia elétrica, mesmo que inadimplente o consumidor, à vista das disposições do Código de Defesa do Consumidor que impedem seja o usuário exposto ao ridículo. 2. Deve a concessionária de serviço público utilizar-se dos meios próprios para receber os pagamentos em atrasos. 3. Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas: Decide a egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer ao recurso, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram de acordo com o Senhor Ministro Relator os Senhores Ministros José Delgado e Francisco Falcão. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Garcia Vieira e Humberto Gomes de Barros. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro José Delgado.
Além dos questionamentos acerca da ilegalidade do corte de energia elétrica, outro ponto sensível de discussão quando se trata do direito ao serviço em tela, se dá diante das ocorrências de furtos de energia elétrica, os quais demandam atenção e discussão no meio jurídico.
3. FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA: CONCEITOS E TIPIFICAÇÃO LEGAL
Diante da coerência em compreender o abastecimento de energia elétrica como direito essencial e os casos de interrupção deste serviço, uma questão a ser discutida se constitui nas ocorrências de furto da energia elétrica, sendo necessária a contextualização conceitual e a tipificação no âmbito legal de cada caso como se apresenta.
3.1 Conceito de desvio de energia elétrica
Conceitualmente, o furto é estabelecido no Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940) como o ato de subtrair para si ou para demais quaisquer coisas ou serviços que pertençam a outra pessoa, conforme o estipulado no Título II, Capítulo I, artigos 155 a 156. Tais artigos também determinam as penalizações a serem aplicados em cada caso, seja o furto simples, qualificado ou coisa comum.
Ainda em consideração aos objetivos propostos por este estudo é salutar a compreensão no texto do CP (BRASIL, 1940) a definição de estelionato, o qual é determinado no artigo 171:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
§ 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.
§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:
Disposição de coisa alheia como própria
I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;
Quando se trata de ocorrências ilegais em relação ao consumo de energia elétrica, Volpi (2011) elucida se tratar de qualquer alteração legal no abastecimento de energia, seja por desvios da rede elétrica ou por alterações nos equipamentos de medição e monitoramento da distribuição da energia. Bittencourt (2015) afirma que se faz necessária a compressão de tais diferenças para fins de tipificação de cada caso, para a construção de bases legais de combate e penalização.
3.2 Tipos de desvio de energia elétrica e seu enquadramento legal
Segundo Bittencourt (2016) é necessário que seja estabelecida a compreensão dos desvio de energia elétrica diante dos tipos possíveis desta ocorrência, bem como sua relação com a tipificação destas ilegalidades.
De acordo com o primeiro ponto a ser discutido quando se trata de desvio de energia elétrica são as ocorrências de furto da mesma, as quais podem ser conceituados na esfera especializada da ANEEL através da Resolução Normativa 414 (ANEEL, 2010), se tratando então de um consumo ocorrido efetivamente e que não foi registrado pelo monitor de consumo.
Conforme Santos et al. (2011), o desvio de energia elétrica, se dá quando o sujeito ativo faz uma ligação direta do poste para sua residência ou comércio, popularmente conhecido como gato. Complementa ainda a explicação sobre o procedimento ao afirmar que nestes casos a fiação é conectada diretamente ao ponto de uso, sem qualquer registro no medidor de consumo da unidade.
Colnago et al. (2011) apresentam o segundo tipo de desvios de energia elétrica é aquele em que são notadas maiores implicações técnicas e profissionais, pois é determinada pela alteração do medidor de energia. Explicam ainda que tal ocorrência se dá pela adulteração do equipamento, iniciando pelo rompimento do lacre, diminuindo assim a contagem do consumo e reduzindo os valores gastos na conta final a ser pago pelo consumidor.
Diante da tipificação dos casos de desvios de energia elétrica torna-se salutar a compreensão sobre o enquadramento legal de cada situação em tela, uma vez que as implicações legais são determinantes para haja efetiva ação jurídica contra este crime.
De acordo com Silva e Furtado (2020) quando se trata do primeiro tipo de desvio de energia apresentado, o crime deve ser considerado furto diante a subtração de um bem, frente as características da ação, em conformidade com o artigo 155 do Código Penal (BRASIL, 1940), conforme:
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
Furto qualificado
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas
§ 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
§ 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)
§ 6º - A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração. (Incluído pela Lei nº 13.330, de 2016)
§ 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
Nota-se que o furto de energia elétrica se encontra devidamente destacado no verso da legislação em análise, o que aponta para a importância de identificação de tal prática, bem como na atenção as possibilidades de penalização frente ao ato em si.
No que tange ao segundo tipo de desvio de energia, Lobão e Bastos (2012) elucidam se tratar do crime de estelionato uma vez que não há furto quando se trata do mesmo em virtude do não registro ou registro reduzido no medidor, o que Santos (2020) complementa:
A lei equipara à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. Assim, desviando o agente a energia, indevidamente, cometerá furto, mas se usar qualquer artefato para viciar a medição do consumo de energia elétrica de sua casa ou estabelecimento, comete estelionato, por ter induzido em erro a companhia fornecedora, com meio fraudulento, obtendo vantagem indevida (p. 171)
É observado que quando se trata de estelionato de energia elétrica a condição de adulteração do medidor se apresenta como a mais importante diante ao dolo em induzir a empresa fornecedora ao erro de medição, o que demonstra maior potencial criminal do ato.
Quando se trata da análise de ambos os crimes, Santos (2020) explica que
No furto, a conduta ilícita ocorre sem que a concessionária saiba que está fornecendo a energia elétrica para aquele consumidor, pois ele consegue subtrair sem que a vítima perceba que está sendo despojada de sua posse. Por outro lado, quando falamos de estelionato, por meios ardilosos o criminoso adultera o equipamento de medição fazendo com que este não registre a leitura conforme foi auferido pelo INMETRO. Ou seja, a empresa fornecedora da energia elétrica tem ciência do fornecimento, porém desconhece que este consumidor está pagando bem menos pelo quilowatt com relação aos demais usuários do serviço (p. 25)
É notado que a especificação de cada tipo de crime conduzido junto ao fornecimento de energia elétrica e suas especificidades e aplicações legais se apresentam como importantes no estudo legal de tal ato.
4. JURISDIÇÃO E LEGISLAÇÃO CONTRA OS DESVIOS DE ENERGIA ELÉTRICA
Em razão da amplitude da problemática acerca dos desvios de energia elétrica é salutar a apresentação do entendimento das legislações pertinente ao tema assim como as jurisprudências conhecidas sobre o mesmo.
No que tange as leis e normativas, a Resolução 479 da ANAAEL (ANEEL, 2012) é determinante no que concerne à suspeita e processo de fraude, conforme:
Art. 130. Comprovado o procedimento irregular, para proceder à recuperação da receita, a distribuidora deve apurar as diferenças entre os valores efetivamente faturados e aqueles apurados por meio de um dos critérios descritos nos incisos a seguir, aplicáveis de forma sucessiva, sem prejuízo do disposto nos arts. 131 e 170: I – utilização do consumo apurado por medição fiscalizadora, proporcionalizado em 30 dias, desde que utilizada para caracterização da irregularidade, segundo a alínea “a” do inciso V do § 1o do art. 129; II – aplicação do fator de correção obtido por meio de aferição do erro de medição causado pelo emprego de procedimentos irregulares, desde que os selos e lacres, a tampa e a base do medidor estejam intactos; III – “utilização da média dos 3 (três) maiores valores disponíveis de consumo de energia elétrica, proporcionalizados em 30 dias, e de demanda de potências ativas e reativas excedentes, ocorridos em até 12 (doze) ciclos completos de medição regular, imediatamente anteriores ao início da irregularidade;” IV – determinação dos consumos de energia elétrica e das demandas de potências ativas e reativas excedentes, por meio da carga desviada, quando identificada, ou por meio da carga instalada, verificada no momento da constatação da irregularidade, aplicando-se para a classe residencial o tempo médio e a frequência de utilização de cada carga; e, para as demais classes, os fatores de carga e de demanda, obtidos a partir de outras unidades consumidoras com atividades similares; ou V – utilização dos valores máximos de consumo de energia elétrica, proporcionalizado em 30 (trinta) dias, e das demandas de potência ativa e reativa excedentes, dentre os ocorridos nos 3 (três) ciclos imediatamente posteriores à regularização da medição.
Observa-se que são construídas determinações legais que tanto esclarecem acerca das ocorrências quanto os meios de correção, destacando que as medidas punitivas se revelam na aplicação de procedimentos administrativos como jurídicas.
Entre as jurisprudências já conhecidas acerca da problemática em tela é possível citar uma decisão do STJ, conforme:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO CONHECIDO. ANÁLISE DO MÉRITO RECURSAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALTERAÇÃO NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA. FRAUDE POR USO DE SUBSTÂNCIA. REDUÇÃO DO CONSUMO DE ENERGIA. INDUZIMENTO A ERRO DA COMPANHIA ELÉTRICA. TIPICIDADE LEGAL. ESTELIONATO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. Extrai-se dos autos que fraude empregada pelos agravantes - uso de material transparente nas fases a e b do medidor - reduzia a quantidade de energia registrada no relógio e, por consequência, a de consumo, gerando a obtenção de vantagem ilícita. 2. "No furto qualificado com fraude, o agente subtrai a coisa com discordância expressa ou presumida da vítima, sendo a fraude meio para retirar a res da esfera de vigilância da vítima, enquanto no estelionato o autor obtém o bem através de transferência empreendida pelo próprio ofendido por ter sido induzido em erro". (AgRg no REsp 1279802/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 8/5/2012, DJe 15/5/2012) 3. O caso dos autos revela não se tratar da figura do "gato" de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Trata-se de prestação de serviço lícito, regular, com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo, - fraude -, por induzimento ao erro da companhia de eletricidade, que mais se adequa à figura descrita no art. 171, do Código Penal - CP (estelionato). 4. Recurso especial desprovido. (STJ - AREsp: 1418119 DF 2018/0333774-2, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 07/05/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2019)
Observa-se nesta decisão que o órgão colegiado compreendeu a necessidade de condenação do réu em conformidade com o preposto no artigo 171 do CP, uma vez que houve comprovação de que o mesmo adulterou o medidor de energia elétrica de sua responsabilidade.
Outro achado pertinente às jurisdições sobre estas ocorrências é tratado novamente pelo STJ, conforme:
PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA PARA ODELITO DE ESTELIONATO. EXAME. INVIABILIDADE. SÚMULA N.º 7/STJ. 1. No furto qualificado com fraude, o agente subtrai a coisa com discordância expressa ou presumida da vítima, sendo a fraude meio para retirar a res da esfera de vigilância da vítima, enquanto no estelionato o autor obtém o bem através de transferência empreendida pelo próprio ofendido por ter sido induzido em erro. 2. In casu, a Corte a quo, após análise das provas constantes dos autos, reconheceu o crime de furto mediante fraude porque a concessionária de prestação de serviço público não tinha conhecimento da fraude perpetrada quanto às trocas dos transformadores, que passaram a registrar consumo de energia elétrica a menor, situação típica do crime descrito no art. 155 do Diploma Penalista, razão pela qual conclusão em sentido contrário quanto à caracterização do delito tipificado no art. 171 do mesmo Estatuto Repressor, demandaria o revolvimento do material fático/probatório, o que é vedado pela Súmula n. 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no REsp: 1279802 SP 2011/0214778-3, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 08/05/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/05/2012)
Na discussão entre o estelionato e o furto simples é observado que o recurso se deu como negado em virtude do esclarecimento sobre a prática de estelionato e não nos moldes simplificados de furto.
Quando se trata do furto de energia elétrica e as bases legais acerca do mesmo é importante destacar que muitos aspectos necessitam ser compreendidos, iniciando pelo levantamento conceitual da mesma, a identificação do acesso a energia elétrica como um direito essencial, e por fim as qualificações penais frente as ocorrências de furto.
Foi possível observar que as ocorrências de desvio de energia se dão de duas formas, através de ligação direta e adulteração dos instrumentos de medição, os quais são determinados pelas distribuidoras no ato da verificação do consumo, sendo necessário a identificação do tipo de desvio para que sejam considerados os tipos de crimes impostos e por consequência a atribuição de penalidades.
Com o reconhecimento dos tipos possíveis de crimes de desvio de energia elétrica, foi notado que na legislação brasileira os mesmos são contemplados em dois tipos diferentes de crime, sendo as ligações diretas consideradas furto e as adulterações de medidores consideradas prática de estelionato, as quais possuem determinações legais diferenciadas e penalidades aplicadas em conformidade com o rigor de cada uma.
Por fim, através da realização deste estudo possibilitou-se a compreensão da prática criminosa de desvio de energia independente de forma que se apresente, sendo necessário rigor na aplicação das leis a fim de evitar prejuízo a todos os envolvidos.
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Artigo publicado em 22/11/2021 e republicado em 16/05/2024.
Bacharela do Curso de Direito pelo Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Danubia da Costa. Um estudo sobre o furto de energia elétrica detectados pelas distribuidoras de energia elétrica no ato das fiscalizações realizadas no imóvel do cliente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2024, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /57536/um-estudo-sobre-o-furto-de-energia-eltrica-detectados-pelas-distribuidoras-de-energia-eltrica-no-ato-das-fiscalizaes-realizadas-no-imvel-do-cliente. Acesso em: 28 dez 2024.
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